O atual presidente, votando na eleição em que foi derrotado
Talvez não seja correto falar em uma “era Vilson”. Porque não foi tanto tempo assim que ele esteve no comando do clube. Ou porque seria melhor dividir o trabalho de Vilson em dois momentos distintos, antes e depois da demissão de Marcelo Oliveira, no segundo semestre de 2012.
O primeiro momento de Vilson no Coritiba foi marcado por uma atuação positiva. Muito positiva. Memorável até.
Primeiro ele era o vice-presidente na gestão de Jair Cirino. Era uma gestão que vinha com o objetivo de “colocar a casa em ordem”, afinal o Coritiba era um clube especialmente mal administrado havia décadas. A gestão de Jair Cirino fez coisas positivas, melhorou a gestão do Coritiba, formou alguns bons times, promoveu uma boa safra de jogadores da base que até hoje são bons profissionais em outros clubes. Mas foi marcada pela derrocada que levou o clube ao rebaixamento em 2009.
Não se pode culpar o presidente do clube pela tragédia que foi o time ser superado pela incrível campanha de recuperação do Fluminense naquele ano. O técnico era Cuca, e os deuses do futebol queriam que o tricolor das laranjeiras ficasse na primeira divisão. Coube ao Coritiba a desagradável situação de ser o clube a ser superado no último jogo, justo no ano de seu centenário. Justo com o trabalho de uma diretoria que tinha um tal de “projeto vencer”, que anunciava construir um novo estádio, etcetera e tals.
Mas se pode, sim, culpar o presidente pela invasão do campo pela torcida, arquitetada pela organizada Império Alviverde, e anunciada aos quatro ventos. Jair Cirino teve que beber o próprio veneno. Ameaçado de morte pela torcida que tinha recebido seus favores nos meses anteriores (ingressos gratuitos e tal), teve que se afastar da gestão do clube.
No momento mais difícil, Vilson assume. Vice-presidente de direito, presidente de fato, com o afastamento de Jair Cirino.
Começa então um período em que Vilson mostra o seu melhor lado. O gestor competente, capaz de administrar uma crise fatal. Capaz de colocar o clube nos eixos, mesmo completamente sem recursos.
Na segunda divisão, com menores receitas. Punição por 10 jogos, jogando metade do Campeonato Brasileiro como mandante em Joinville. Estádio para reformar. Vários jogadores com contratos vencidos, que simplesmente saíram do clube sem gerar nenhum resultado financeiro. Tinha acontecido com Keirrison, formado na base. Aconteceu com Carlinhos Paraíba e Marcelinho Paraíba, jogadores comprados a peso de ouro que foram para o São Paulo poucos dias depois do rebaixamento do clube.
Vilson capitaneou a virada.
Manteve o técnico Nei Franco, cuja honradez de ficar no clube até o fim do contrato foi o principal diferencial para o time sair da situação difícil. Trouxe o diretor de futebol Felipe Ximenes, gestor profissional para as contratações de jogadores. Afinal, Vilson era um executivo da área de finanças, entendia de gestão do dinheiro, dos contratos e do patrimônio. Mas não entendia nada de futebol, nem de vestiário. (Mais adiante veremos que quando ele começou a entrar no vestiário é que a coisa desandou de vez.)
Com esta trinca de managers o Coritiba viveu seus melhores dias em muitas décadas. Montou um time muito eficiente e sem jogadores caros, capaz de enfrentar a miséria de jogar sem estádio metade de um campeonato e ainda assim terminar na frente.
Vilson começou de imediato a imprimir as melhores marcas de sua gestão:
*campanhas de marketing do mais alto nível
*melhorias no patrimônio do clube (estádio, CT, acomodações das categorias de base, profissionalização do site e do atendimento aos sócios)
*aproximação com a torcida em outro patamar, desenvolvimento do plano de sócios
*melhores práticas na contratação de jogadores, de modo que ao longo de alguns anos o Coritiba deixou de ser um clube de jogadores de empresários e contratos curtos para ser um clube que detém parcelas significativas dos direitos de seus jogadores, com contratos de longo prazo e multas recisórias adequadas. Assim, nenhum grande jogador voltaria a sair de graça do Coritiba (ao menos até essa ainda mal explicada saída do lateral Abner – mas tem outros casos mal explicados, como a dispensa de Rafael Silva) . Inicialmente Vilson conseguiu praticar também um teto salarial condizente com a condição de clube sem dinheiro.
*escalonamento da dívida do clube e pagamento de passivos antigos (por exemplo, as dívidas com o técnico Paulo Bonamigo, que treinou o time em 2002/2003 e novamente em 2006, foram saldadas em 2012).
*melhores contratos de patrocínio (Nike, Caixa, Pró-Tork)
O resultado apareceu em campo rapidamente: Campeão da Série B em 2010; Vice-campeão da Copa do Brasil em 2011 e 2012; recorde de vitórias consecutivas em 2011 (ironia é que hoje o Real Madrid está atrás de bater este recorde); melhor mandante do Brasileirão 2011; Tetra-campeão paranaense 2010-2013.
Vilson mostrou em meio a uma das piores crises do clube que era um administrador capaz, e praticamente salvou o Coritiba da situação calamitosa que se encontrava. Despontou em toda a mídia nacional como um dirigente de novo tipo, capaz de colocar um clube nos eixos e favorecer boas práticas.
Quando tudo estava pior, Vilson demonstrou coragem, sabedoria e força para reverter. Pela primeira parte de seu trabalho merecia ser colocado na galeria como um dos maiores presidentes da história do clube. Mas alguma coisa começou a mudar em algum momento, a ponto de a gestão dele terminar muito mal, especialmente se comparada com um início tão alentador. Se no começo de 2012 alguém dissesse que Vilson seria candidato à reeleição no final de 2014 e sairia derrotado, esse visionário louco seria motivo de chacota.
O que podia dar errado, se tudo vinha tão bem?
Talvez seja mais fácil sair dos escombros e subir do que administrar o ego trazido pelas vitórias.
A primeira coisa que desandou foi o trabalho de Felipe Ximenes. Os acertos nas contratações de 2010-2011 começaram a fazer água. O excelente time de 2011 foi desmontado com as saídas de Davi (o principal meia), a excelente dupla de volantes formada por Leandro Donizeti e Leo Gago, os atacantes Marcos Aurélio e Bill (um casca grossa que incrivelmente deu certo naquele time), o zagueiro Lucas Mendes, garoto da base que se tornou um excelente lateral esquerdo sob o comando de Marcelo Oliveira, entre outros.
As reposições não foram feitas adequadamente, e o time caiu muito de rendimento. As más-línguas contam que a venda de jogadores era feita mais sob os interesses pecuniários do diretor de futebol (com as famosas comissões) do que atendendo aos interesses do clube. Também se tornaram públicas as desavenças entre o técnico Marcelo Oliveira e o diretor de futebol, por excesso de interferência em seu trabalho. Parece que chegaram às vias de fato em algum momento.
Com este tipo de dificuldades para equacionar, Vilson perdeu completamente a noção do que seria o melhor para o clube. Entre um diretor de futebol que já era muito contestado por todo mundo que entendia do clube (Ximenes) e o cara que era simplesmente o melhor técnico da história do clube, Vilson cometeu o erro imbecil de demitir o técnico e ficar com o diretor. Um caso de mero orgulho besta, afinal ele bancava sua escolha para diretor de futebol, enquanto o técnico era alguém mais independente em relação a ele, presidente do clube. O tamanho do erro ficou mais evidente pelo fato de que o Coritiba não melhorou nas temporadas seguintes, e Marcelo Oliveira acaba de ser bicampeão brasileiro com o Cruzeiro, tornando-se também o maior técnico da história do time celeste. E isso que ele está começando a carreira nas casamatas, e recebia no Coritiba um salário bem abaixo do praticado no mercado.
O primeiro grande erro de Vilson não era um erro qualquer. Ao demitir Marcelo Oliveira após uma derrota para a Portuguesa, com o time perigosamente próximo da Zona de Rebaixamento, o presidente jogou no lixo o rigor do planejamento, e a ética do cumprimento dos contratos. Mostrou que não tinha sangue-frio para suportar pressão de torcida (quem não tiver isso melhor não se candidatar a presidente de clube com torcida). Quando o time cai de rendimento, demitir o técnico é a solução preguiçosa – e completamente errada.
A coisa só não ficou tão ruim naquele momento porque o técnico chamado para substituir Marcelo Oliveira era praticamente do mesmo nível: Marquinhos Santos. E também porque justo no primeiro jogo sob o comando de Marquinhos, o Coritiba também recebeu o centro-avante Deivid, o tal camisa 9 que Marcelo Oliveira ficou pedindo por meses. (A contratação de Deivid foi feita no desespero, e jogou fora o padrão de limite salarial que o clube vinha praticando – nesse momento, o planejamento que marcou o início da gestão já tinha sido completamente abandonado)
Ou seja, o Coritiba de 2012 jogava bem (como todo e qualquer time que Marcelo Oliveira dirija com tempo suficiente para colocar seu estilo de jogo), mas não fazia gol porque não tinha alguém para colocar a redondinha na rede. A prova de que o novo técnico e novo centroavante resolviam o problema imediato foi o 3×0 que o Coritiba aplicou no Flamengo. E as seis vitórias com gol de Deivid foram suficientes para afastar o Coritiba do rebaixamento naquele ano.
O outro fator imponderável que favoreceu a situação de Vilson (ao menos aparentemente) foi que Alex decidiu voltar para seu clube do coração, fato anunciado no final de 2012. A volta do craque dependeu exclusivamente de um desejo pessoal seu, não foi obra da direção do clube. Provavelmente o bom momento construído por Vilson em 2010-2011 (como apontado acima) foi decisivo para Alex. Em entrevistas dadas à época, o craque disse que realizava um sonho antigo de terminar a carreira no clube do coração. Mas que não teria voltado para o Coritiba se a administração do clube não estivesse minimamente praticável.
O que Alex iria perceber bem rápido é que o futebol brasileiro como um todo estava podre. Muito podre. A ilusão da Copa dava uma certa sobrevida às estruturas carcomidas que a CBF sustentou precariamente, enquanto os clubes mantinham as aparências torrando adiantamentos de direitos de TV. Coisa que o próprio Vilson também fez, deslavadamente.
Quando abandonou a gestão baseada em boas práticas, Vilson mostrou que podia facilmente se transformar de gestor moderno em um “cartola” do pior tipo, e é essa imagem que ele deixa ao sair do cargo.
Pra encurtar a história, do segundo semestre de 2012 até agora, em tudo o que dependeu das ações da diretoria do clube, a coisa andou de mal a pior. Nem parecia que o presidente era o mesmo. Começaram as contratações caras e de pouco resultado, da qual o principal exemplo talvez seja o meia Lincoln (alguém pode argumentar que antes de se saber da vinda de Alex ele era uma opção consistente). Mas nesta conta entram também a substituição de Rafinha por Vítor Júnior em 2013, a vinda de Botinelli entre outros.
Que Vilson não tinha mesmo a fibra necessária para o cargo ficou evidente no dia em que o Coritiba perdeu no Couto Pereira para o Itagüi da Colômbia, praticamente selando sua eliminação na Copa Sulamericana, e iniciando um terrível descenso na tabela do nacional: de clube que liderou as primeiras rodadas de 2013 e ficou invicto por várias para clube que brigaria até o fim para não ser rebaixado. Neste dia contra o Itagüi eu estava no Couto Pereira, e vi um time totalmente sem vontade. A torcida quase derrubou o estádio novamente, e Vilson foi ao vestiário demitir imediatamente Marquinhos Santos e Felipe Ximenes.
Erro. Erro crasso.
Marquinhos tinha o grupo em seu favor, e não era culpado de nada de ruim que estava acontecendo. A torcida não pode ter o poder de demitir um técnico (com gritos de “Marquinhos #$*!¬, fora do verdão”), e um presidente tem que saber contornar isso. Na sequência, o Coritiba contratou técnicos sempre muito mais caros e muito piores que Marquinhos, terminando por trazê-lo de volta quase um ano depois.
Neste mesmo dia fatídico, Vilson deu entrevistas à imprensa chamando os jogadores de vagabundos – provavelmente tentando aplacar a banda podre da torcida. Perdeu o último fio que restava de respeito dos jogadores. Certamente eles já vinham jogando contra o presidente, como era evidente pela apatia em campo e pelas contusões inexplicáveis. Mais fácil chamá-los de vagabundos que admitir e corrigir os próprios erros (interferência no trabalho do treinador, falta de profissionalismo com os jogadores, ingressos caros que irritavam e afastavam o torcedor do clube e o tornavam indisposto para resultados ruins).
Pouco antes, o Coritiba perdeu Deivid por falta de pagamento de salários (disfarçados em “direitos de imagem” – trambicagem para driblar diretos trabalhistas e obrigações tributárias) ainda em 2013. Em 2014 os jogadores ficaram meses com salários atrasados, e pode-se dizer que o clube foi salvo pelos gols de Joel, atacante que veio para o clube sem nenhum mérito da diretoria. Ele foi oferecido praticamente de graça pelo Londrina, porque o Coritiba seria uma boa vitrine – em poucos meses se tornou artilheiro do clube na temporada e já saiu com um ótimo contrato para o Cruzeiro.
Hoje o Coritiba é um clube endividado, com as receitas futuras comprometidas, sem um time montado para começar 2015 (imagine o que será de nós sem Alex e Joel).
E tudo o que a gente pode fazer é rezar para que o novo presidente eleito tenha condições fazer um bom trabalho. As perspectivas, nada boas, são assunto para um próximo post.